domingo, 1 de abril de 2012

Coisas de Galinha

 
Era uma vez uma galinha chamada Maricota. Maricota era uma galinha espevitada, inquieta, cheia de sonhos e vida, linda, mas sem a consciência exata de sua beleza interior e exterior.
Na sua juventude galinhística, perambulou aqui e ali, como um beija-flor beijando cravos sem importância. Conheceu um Galo Garnizé muito galante e sedutor, a quem entregou seu coração e sua virgindade de franga. Mas esse galo pertencia a outro galinheiro. Ela logo viu que não ia dar pé.
Mudou-se para outro quintal, onde conheceu o Galo Rafael, um galo mais experiente, com quem ela se afinizou à beça. Casou-se com ele, imaginando o futuro, os pintinhos, a decoração do poleiro, em sonhos definia os matizes do seu futuro, sua vida a dois, a construção da sua família feliz.
Veio o primeiro pintinho....depois o segundo pintinho...Ela cheia de sonhos. Ok, não teve poleiro-de-bebê ainda, mas vai ter. O tempo passou. Os pintinhos viraram frangos e nada de poleiros pros pintinhos. Ela aguardava a concretização dos sonhos antigos...O Galo Rafael trabalhava, dormia, jogava seu futebol, dormia, trabalhava....
E com o tempo, as caraminholas e minhocas começaram a subir pra cabecinha de Maricota e criar raízes. Ela ia questionando....se inquietando, se amargurando....Os franguinhos crescendo e a vidinha deles não saía do lugar....Ela chamou o Galo, conversaram, ponderaram, ele fez promessas de aumentar o poleiro, ajudar a criar os franguinhos...Ela ficou toda feliz.


Massssss, com o tempo, nada, nada acontecia. Começou a ficar amargurada. Começou a ficar implicante, ao mesmo tempo em que Rafael se enfiava mais e mais na sua concha-de-galo. E o tempo rodava. Problemas galinhísticos aqui...problemas galinhísticos ali....ela foi perdendo as esperanças. Foi se deprimindo....
Ela não sentia mais ali um casal e sim um Galo e uma Galinha vivendo suas vidinhas paralelamente. Por fim, até as farras-de-galo-galinha foram murchando. E a VIDA murchava dentro dos dois. Ela pedia, mostrava a ele que estava infeliz, procurava opções para ressuscitarem a graça do início e nada. O Galo não tava a fim. Ela tinha sede de vida, de movimento.


Os franguinhos brigavam, disputavam, o Galo Rafael passava a passos lentos, plácidos e impassíveis, diretamente pro seu canto preferido do poleiro. E lá ele ficava. Quieto. Silencioso. Dormindo.
Sozinha ela, sozinho ele. Ela descobriu o intercâmbio de galos para outros galinheiros. Rafael viu em silêncio seu reino ser ameaçado e nada fez. Silencioso ele estava, silencioso ele continuou. Para Maricota, Galo que não canta, não se importa com a galinha.
Então, mosinfio, ela resolveu chutar logo o pau desse poleiro, pediu separação de corpos-de-galos;  passeou durante uma semana pra outro galinheiro distante e paquerou outro galo, que lhe despertava a pessoa viva que existia ainda dentro dela.
Enquanto isso, o Galo Rafael aproveitou para escrever o nome de Maricota num papel, picotou e espalhou o nome dela pelo chão do galinheiro. Cada galinha passava por um pedacinho do escrito e dizia: - Ohhhhhh!! Ohhhhhh!

Voltou. Separou. Sofreu. Chorou. Comeu o pão que o diabo amassou (porque nesse galinheiro, criar filho sozinha não era fácil). Enfim. Tentou recomeçar. Até hoje Maricota escuta as diversas versões alheias e maldosas sobre sua viagem, sua vida , suas atitudes. Mas ela sabe, que quem sabe da galinha, é só ela mesmo. E a vida continua.

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